Professora portuguesa ensina música a crianças refugiadas em Berlim
Sofia Borges é percussionista e vive em Berlim. Há cerca de um ano e meio embarcou num novo projeto. No "MitMachMusik" ensina música a crianças refugiadas. O resultado é uma orquestra multicultural e uma professora cheia de histórias para partilhar.
A professora é portuguesa. Sofia Borges é voluntária no projeto “MitMachMusik” (“fazemos música juntos”, numa tradução livre). Todas as semanas dispensa algumas horas para dar aulas de música a estas crianças.
É responsável por quatro turmas. No total, são cerca de 80 alunos, os mais novos com apenas seis anos.
Se num primeiro momento, as aulas são apenas com crianças refugiadas, a partir de um certo nível começam a tocar em “salas neutras”, fora das residências, em conjunto com outros alunos de Berlim. “O nosso objetivo é a integração.”
E a integração não é difícil, diz a professora, que também é percussionista. “As crianças refugiadas aqui em Berlim vão à escola todos os dias, portanto já estão habituadas a brincar com meninos alemães e não só. Berlim é uma cidade muito internacional, eles têm amigos italianos, portugueses, espanhóis, americanos, etc.”
Cacofonia de instrumentos e línguas abafa histórias que custam ouvir
Há pouco mais de um ano, quando um amigo a desafiou para conhecer o “MitMachMusik”, Sofia identificou-se logo com o projeto. Foi assistir a um estágio da orquestra e encontrou “um grupo de crianças super internacional, concentradíssimo a tocar”. “Volta e meia ouvia-se árabe, depois alemão ou línguas que não sei quais são, mas quando chega à hora de tocar, faz-se silêncio e toca-se”, conta.
Sofia dá aulas aos primeiros níveis, ou seja, proporciona o primeiro contacto das crianças com a música. As aulas são sempre diferentes, mas há rotinas das quais não abdica. “Se a classe está calma, canto a música do ‘olá’ em que repetimos a canção várias vezes com o nome de todos. É uma canção em que se pergunta os nomes e ficamos a conhecer os nomes daqueles que ainda não sabemos. Se não estão calmos, se há muita agitação e ainda não dá para cantar a canção, então começo a fazer jogos de ritmos, a bater palmas e a fazer percussão corporal até se acalmarem. Depois então, cantamos a canção de boas-vindas.” No final, há sempre uma canção de despedida.
Mas afinal, quem são e de onde vêm estes alunos? Por norma, Sofia não pergunta. Não por falta de curiosidade, mas porque “na aula somos todos iguais e vamos todos tocar música”. As histórias de vida acabam por surgir naturalmente, seja durante um jogo na sala ou mais tarde, quando os pais convidam os professores para irem às suas casas tomar chá.
É nessas conversas que Sofia fica a perceber que muitas das famílias já são refugiadas pela segunda ou terceira vez. É o caso de uma família afegã, que fugiu para o Irão e, a caminho da Europa, ficou separada. Três crianças perderam-se da mãe e chegaram a Berlim sozinhas. Só mais tarde conseguiram contactar a mãe, que acabou por se juntar aos filhos na capital alemã.
Mas não são só os alunos que têm histórias complicadas. “Temos um professor afegão que morava numa zona muito conservadora onde não se pode tocar música, portanto, ele tocava às escondidas”. Acabou por fugir para a Alemanha para conseguir seguir uma carreira musical.
São histórias que Sofia ouve, mas que também sente na pele, na vida pessoal. Conta-nos que, há uns tempos, convidou uns amigos refugiados para irem fazer uma caminhada numas montanhas a norte de Berlim. “De repente, um desses meus amigos, sírio, começa a transpirar, bastante incomodado e disse-me: ‘Sofia, eu depois de ter andando a pé da Síria para a Turquia, durante vários dias, à noite, nunca mais vou ser capaz de fazer uma caminhada’. Para mim uma caminhada é uma coisa super saudável, não me lembrei, mas de repente toquei ali num trauma”.
Na consola, reina a seleção portuguesa
Sofia está em Berlim desde 2012. Antes, tirou mestrado em Hamburgo, pelo que já domina o alemão. Daí que, a maior parte das vezes, os seus alunos pensem que é alemã.
Quanto conta que vem de Portugal, o futebol torna-se também tema de conversa. Por diversas vezes, a professora “apanhou-os” na consola com a seleção portuguesa selecionada para jogar e, durante o Mundial da Rússia, a equipa de Fernando Santos ganhou ali novos adeptos. “Os rapazes adoram futebol, mas a maior parte dos países deles não está no Mundial, estava só o Irão. E foi uma surpresa constatar que a maior parte torcia por Portugal, porque têm uma adoração pelo Cristiano Ronaldo.”
Contudo, não esquecem a terra que os acolheu. “Um dos rapazes disse: ‘eu puxo por Portugal, mas também pela Alemanha, porque a Alemanha agora é o meu país.’. E os outros disseram logo: ‘ah pois, nós também torcemos pela Alemanha’”, conta a professora.
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artigo retirado do site da RR, aqui.
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